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não é mais fácil para quem decide


Mafalda Correia com o queixo apoiado na mão, pensativa

A separação e o divórcio doem.

Mesmo que seja a porta de saída de uma relação que há muito o deixou de o ser… ou que nunca o foi…



Mesmo que sejam a boia de salvação, de quem se lança borda fora de um contexto familiar violento e hostil.

A separação e o divórcio doem.


Mesmo quando o nosso corpo se expande de alívio e esperança.



Mesmo quando o coração volta a sussurrar «estás livre»…

 

- dói menos a quem quer divorciar-se?

- é mais fácil para quem toma a decisão da separação?

 


Não sei fazer a contabilidade do sofrimento, do deve e do haver do peso que afunda a alma, do aperto que estreita a respiração…



- a separação e o divórcio doem para quem os decide e doem para quem os recebe como já decididos - diz a literatura, diz a minha experiência no acompanhamento de pais e mães em processo de separação ou de construção do seu plano de coparentalidade, diz a minha vivência de passar por um processo de separação, com três filhos pequenos…

 

doem em medidas diferentes para quem está de cada um dos lados da notícia: do lado de quem a entrega ou do lado de quem a recebe.

Doem dores, dores minhas, dores tuas, dores nossas…

Doem.

Talvez mais do que as dores de quem as sente, a grande diferença está no momento que as vivem.

 

Do lado de cá da notícia, de quem a decidiu e a entrega, está a dor de um tempo que, muitas vezes, já se perdeu no tempo de compreender o que sente e quer, de juntar a coragem aos pedaços para conseguir avançar na vontade (às vezes, na urgência) de terminar o que dentro de si já terminou. Nem sempre capaz da gentileza que o momento pede, perde-se e desmancha-se de quem queria continuar a ser…


O tempo onde se perdeu, foi o tempo onde se achou, preparou… ou, melhor, foi o tempo onde se foi achando, preparando, separando… no gerúndio que foi caminho…



Do lado de lá da notícia, de quem a viu chegar, abrupta, bruta, estúpida… foge o chão, transformando-se em alçapão... fundo na perplexidade, na raiva, zanga, tristeza… afundando e emergindo na realidade desfeita, quem recebe a notícia conta o tempo como curto, rápido, cruel… um tempo que não deu tempo…

 

Dói fazer doer, dói ser doído…


E no caminho de desemaranhar o que já fomos, de deslindar o que seremos, quebram-se laços, atam-se abraços e vemos virar do avesso as dores a quem as dói…


...desmanchando e desfiando o que nos ligou, será tempo para tecer como nos vamos ligar, em pontos ponteados a quatro mãos… linhas invisíveis, novelos enleados, nós apertados, guardados, cortados…


Costurando, rasgando… fica a desdita do que seremos, anunciada neste doer... quando na dor de um, se sente a do outro, quando as tuas lágrimas salgam a minha boca, os tecidos costurados serão agasalho daqueles que fizemos nascer

 …quando a dor de um, aconchega o outro, quando as tuas lágrimas matam a minha sede, os tecidos retalhados serão abrigo esfarrapado daqueles que não vemos crescer

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