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nem tudo o que mal começa, mal tem que acabar


«nem tudo o que mal começa, mal tem de acabar», escreveu no meu caderno de história, no último dia de aula do 7º ano


esse ano tinha começado atribulado entre nós. nunca tinha sido a minha disciplina preferida (nem nada que se parecesse!) mas não creio que fosse esse o problema.


uma sucessão de incidentes e mal-entendidos tinha-nos conduzido a uma irritação miudinha e a uma baixa tolerância mútua.


apenas me lembro de um desses episódios infelizes e não me recordo de nenhum dos que nos foi permitindo recuperar a relação ao ponto de levar a minha professora de História do 7º ano a escrever o desfecho do nosso trajeto nesse ano.

mas lembro-me perfeitamente de ter sido uma experiência rara de paciência e reparação, de aproximação e compreensão, de deixar ir o que tinha passado, de olhos postos no que queríamos que se passasse.


o seu resumo foi brilhante.


escreveu no meu caderno, decalcou no meu coração e tatuou-o como uma lição de vida: «nem tudo o que mal começa, mal tem que terminar»


eu estava de pé, junto à sua secretária, com as mãos atrás das costas, olhando ora para o seu rosto, ora para a sua mão (com a caneta parada sobre a folha do meu caderno).


sabia que provavelmente nunca mais nos iriamos ver.

a vontade de chorar agarrou-se à minha garganta. não se soltando, apertava-se num nó, que mal me deixava falar.

escolhi as frases mais simples e curtas, para não desatar o nó e deixar correr a saudade que já antecipava. (não seriam saudades das aulas de história, seriam saudades de uma relação cuidada a dois e recuperada a quatro mãos, quatro ouvidos, quatro olhos… dois corações e duas bocas a reunirem de volta duas pessoas separadas e magoada. saudades da vontade partilhada de restaurar o que começou mal, para que pudesse terminar de uma outra forma. na altura não sabíamos qual seria)


olhando ora para o seu rosto, ora para a sua mão, mantinha-me concentrada na respiração (para não desatar o nó) e suspensa na caneta parada, ansiosa por palavras que me abraçassem para lá daquele tempo, que me sossegassem e, muito devagarinho, desatassem o nó… bem de mansinho, para que as lágrimas corressem em sentido contrário e me soltassem os dizeres que eu tanto lhe queria entregar…


vi-a escrever, letra por letra «nem tudo o que mal começa, mal tem de acabar»

acrescentou mais alguma coisa, que não me recordo.

a consciência da perda que teria sido se o nosso “mau começo” assim tivesse permanecido, apertou ainda mais o nó e dilatou ainda mais o coração… à tristeza misturada com a saudade, misturava-se agora a gratidão e alegria.


«beijinhos, da tua professora». assinou.

pousando a caneta, levantou os olhos do papel, agarrando os meus.


levantou-se tranquilamente e com um sorriso abraçou-me.

saiu-me um «obrigada» sumido e contorcido, por entre o nó cada vez mais apertado (uma milésima parte do que gostaria de lhe ter dito).


«nem tudo o que mal começa, mal tem de acabar», repetia mentalmente, controlando a respiração, com as lágrimas a quererem correr no sentido certo…

o abraço terminou, peguei no caderno, fingindo que lia, assenti com a cabeça, sorri… e saí da sala, esforçando-me por não correr.

logo que passei a porta, virei à direita e aí correram as lágrimas, correram as pernas, correu o meu coração, correram as palavras: «nem tudo o que mal começa, mal tem de acabar»


durante aquele ano aprendi e naquele dia, de pé junto à secretária, compreendi: «nem tudo o que mal começa, mal tem de acabar»


ao longo dos anos (muitos), intermitentemente volta a mim, com a mesma luz daquele início de verão, a certeza de que «nem tudo o que mal começa, mal tem de acabar»


uma certeza de esperança feita, confirmada pela vida

«nem tudo o que mal começa, mal tem de acabar»

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