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Carta aberta a uma professora.



«Cara professora,

Reconheço o esforço que dedicou à carta que me enviou a tentar esclarecer os acontecimentos ocorridos em sala de aula. Agradeço-lhe por isso.


Infelizmente, apesar de a professora considerar que ficaram esclarecidos, a perspectiva do meu filho sobre os mesmos é diferente. Esta divergência não me espanta, pelo contrário. Sabemos que pessoas envolvidas num mesmo acontecimento experienciam e percebem-no de forma diferente, com dados diferentes. No entanto, quando procuram um entendimento, põe-se no lugar uma da outra e tentam compreender-se mutuamente. É esta mensagem que tenho tentado passar ao meu filho… e era esse passo que gostaria que tivéssemos dado em conjunto, uma vez que a intensidade e frequência dos problemas tem prejudicado gravemente a sua aprendizagem e rendimento, a vossa relação e comunicação.

Lamento que não tenha aceite a minha solicitação para reunirmos e tenha optado por uma comunicação por escrito.


O formato escrito peca pela falta de expressão e de todo o aporte que a relação directa e pessoal traz ao entendimento entre as pessoas.

O formato escrito peca pela falta de expressão e de todo o aporte que a relação directa e pessoal traz ao entendimento entre as pessoas. No caso específico dos problemas que descreveu em relação ao meu filho e dos que ele descreve em relação à sua professora, ainda mais pertinente me parecia esta proximidade.

No final da sua carta, solicita-me “conselhos/estratégias para conseguir ultrapassar estas situações”…


…na relação com os meus filhos e com as crianças com quem lido, têm-se tornado evidente que a forma de operacionalizar estratégias varia muito com o contexto, com a sua idade e até mesmo com o meu estado de espírito, com as minhas necessidades e os meus próprios problemas. O que funcionou num dia, pode não funcionar no outro. O que resultou com um filho, pode ser contraproducente para o outro. Por isso, tento orientar-me por princípios…


Tentando extrapolar o que conheço do meu filho e do que me parecem ser os problemas que se passam em sala de aula nas suas disciplinas, parece-me que são bons princípios:


1) A professora nunca pôr em causa a educação que ele recebe em casa; não há filho nenhum, por muito mal-educado que seja, que não reaja defensivamente a este tipo de observação; não me parece possível alguém ficar receptivo e disponível a outra pessoa que questione a competência dos que mais ama (mãe e pai), por muito negligentes que sejam;


2) Quando tomar uma medida que corresponde, de facto, ao limite do que pode tolerar, levando-o a sair da sala de aula, evite despedir-se em tom jocoso com “au revoir” e acenando; estas atitudes que, nós adultos, poderemos perceber como irónicas ou sarcásticas, podem não ser assim entendidas pelos miúdos; este meu filho é muito pragmático e tende a fazer interpretações mais literais, dificilmente encontrará coerência nesses gestos, num contexto de repreensão;


3) Creia que este seu aluno é uma pessoa tímida; muitas das atitudes que a professora sente como provocatórias, são formas que ele tem de lidar com a timidez e com a dificuldade de conseguir dirigir-se e comunicar de forma assertiva com os outros (sobretudo em situações de maior tensão emocional); os risos, para além de uma característica incontornável da idade, devem-se frequentemente à sua introversão; expô-lo apenas dificultará;


4) Lembre-se que ele procura o que todos nós procuramos: ser compreendido e aceite. Era fundamental que conseguisse criar, pelo menos, um momento em cada aula em que lhe pudesse dirigir um gesto autêntico de satisfação (nem que fosse ao início, em que ainda nada de “mal” poderia ter acontecido); pode ser um sorriso de ”bom-dia”, ou um assentir com a cabeça quando ele está sossegado, ou conceder-lhe a palavra quando ele pede para participar… peça-lhe ajuda, que vá buscar alguma coisa ou fazer um recado…; procure manter a expectativa positiva em relação ao meu filho, não entre na sala já à espera do pior, isso levá-la-á a olha-lo já descrente, e ele sente-o;


5) Tenha presente que o meu filho está de luto; em Janeiro perdeu o avô (depois de dois longos meses de desespero); um avô presente no quotidiano dos meus filhos, um avô protector, uma “trave-mestre” na nossa família… faz-nos muita falta, todos os dias; sei que o comportamento dele pode, à primeira vista, não transparecer dor e tristeza mas todos sofremos de forma diferente;


6) Acredite: «Nem tudo o que mal começa, mal tem que acabar»; Lembro-me muitas vezes deste legado que a minha professora de História do 6º ano me deixou, inscrito no meu peito (e escrito no meu caderno, no último dia de aulas daquele ano); ambas conseguimos ultrapassar os conflitos que nos afastavam e tornavam as aulas um suplício para as duas; para além de História, ensinou-me Ser Humano; não foi fácil, mas conseguimos; esta professora deixou-me saudades, até hoje.

Desejo-lhe um bom 3º Período.

Espero que venha a conhecer o este meu filho. Estou certa de que iria gostar da pessoa que ele é, se tiver oportunidade de o saber…

Mantenho-me ao dispor.»

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