«sabes o que é uma lesma?», perguntou-me entre os gritos dos rapazes que brincavam no escorrega. um em cima a segurar as mãos de outro, que já tinha o corpo a meio do caminho que escorrega… gritavam com o dramatismo que a situação exigia: uma vida suspensa no abismo imaginado, segura pelas mãos da amizade…
gritavam como eu gritaria se estivesse a segurar a minha melhor amiga, ou se fosse ela a suspender a minha queda no vazio de um abismo.
«sabes o que é uma lesma?», ouvi entre os gritos. um olhar apreensivo, uma caixa de plástico com pedrinhas, terra e folhas arrancadas da relva…
«sim, sei»
antes que eu tivesse tempo de me retirar para assistir ao poder da amizade… ao desfecho da tragédia clássica de sentirmos que temos a vida de alguém que gostamos nas nossas mãos e que o tempo vai ditando o tic-tac decrescente da nossa capacidade… a angústia da força não chegar, da resistência se encurtar e de sentirmos as mãos a sumirem-se entre os nossos dedos exaustos.
o desejo de que, no tempo em que resistimos, o outro consiga reunir os restos da sua energia para se erguer e escapar da queda que mantemos em espera…
«sabes o que é uma lesma?»
«sim, sei»
segurou-me pelo olhar e encaminhou-me até o que fora um chafariz. noutra caixa as mesmas pedrinhas, terra, folhas e um caracol pequeno, ainda translúcido, com uma concha muito pequena, que deixava ver o corpo molusco.
«não é uma lesma. é um caracol bebé. vai crescer e ficar com uma concha grande e dura» achei que sabia
«ele caiu por causa dela»
«foi sem querer»
«a concha partiu-se. só ficou esse bocadinho. já é quase uma lesma»
Intui a ideia… «se ficar sem o resto da concha será definitivamente uma lesma…»
afinal a pergunta era se eu sabia que as lesmas são caracóis caídos, que perderam a sua concha.
achei depressa demais que sabia o que aquele olhar apreensivo queria saber…
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