É frequente, quer nas redes sociais, quer nas sessões individuais, mães e pais perguntarem-me como é que sabem qual é a melhor forma, o melhor momento para se separarem; como é que têm a certeza de que a sua relação terminou; como é que podem fazer para que o processo de divórcio não seja doloroso para os filhos e… até, para o outro progenitor!
São perguntas honestas e sinceras, que procuram apaziguar corações assustados, preocupados. Porque quando se chega a esta fase, à fase das perguntas do “como”, já não há uma alternativa fácil, indolor: ficar dói, sair também.
Perguntam-me se há “manual de instruções”.
Ás vezes, sorriem, depois da pergunta para a qual já conhecem a resposta. Um sorriso subtil, discreto, reconfortante para si e para mim.
Outras vezes, vejo-lhes as lágrimas a inundarem os olhos amargurados.
Não, não há “manual de instruções”. Não somos máquinas, nem mobília. Não há “manual de instruções” que nos possa valer. (A quem vi utilizar “manual de instruções”, vi também a procurar comportar-se como máquina ou mobília, para poder bater certo com as instruções… não me apercebi nem de menos dor, nem de menos desorientação).
É preciso confiar… fazer navegação à vista e ir ajustando as decisões… é um roteiro que traçamos já em movimento… sabemos onde começamos, não sabemos onde vamos terminar. Mas mesmo sem se ver o caminho, podemos SEMPRE seguir a direção.
Para mim, a direção é a da Parentalidade e do Divórcio Conscientes. Os seus valores, são o “Norte”.
É tentador querer criar uma imagem clara, um plano concreto do processo de separação. Daria uma ilusão de segurança… Mas não deixaria de ser uma ilusão…
Na minha experiência, pessoal e profissional, o plano vai-se desenrolando em tempo real.
É preciso confiar que saberemos reconhecer as necessidades e tomar decisões, que teremos os recursos necessários a cada momento. E, quando não os tivermos, haverá sempre uma alternativa, uma mão, um colo…
É preciso aceitar que não há garantias. Nunca há. Nem no início de uma relação, nem no seu final. A única garantia que nos poderemos dar a nós próprios é que, se quisermos, continuaremos comprometidos com a vida e com a direção que queremos seguir… mesmo que, às vezes, não consigamos ver o caminho.
É preciso ter como certo que algumas decisões não serão as mais acertadas mas que só o saberemos depois de as implementar. E que há sempre tempo e espaço para ajustar a rota.
Há dias voltei a ver o filme “Bora Lá”, da Disney. Com o meu filho mais novo coladinho a mim, debaixo das mantas.
Chorei.
Chorei quando o protagonista conseguiu avançar para um precipício, sem ponte.
Dotado de um potencial para a magia, a sua experiência e habilidades ainda eram muito escassas. O medo estava a tomar conta dele. O irmão mais velho, que não era mágico, fez a magia acontecer atando-lhe uma corta à cintura, para lhe dar confiança e gritando em plenos pulmões:
«Tu és capaz, só tens que acreditar».
A cada passo sobre o abismo, aparecia uma pequena plataforma luminosa, a fazer o contorno do sapato e a servir de apoio para o passo seguinte.
Nunca se vê uma estrada, uma ponte… nada.
A cada passo, aquele apoio luminoso, que desaparecia com o avançar da perna.
Chorei. Chorei imenso.
Vi-me do lado de cá do abismo. A segurar a corda e a gritar «Tu és capaz, só tens que acreditar».
Vi cada pai e cada mãe que acompanho ou acompanhei. Cada um deles. Os seus rostos, os seus nomes. Vi o seu medo, a sua coragem, os seus passos e a sua magia.
Uma vaga de pais e mães a atravessarem o abismo… lampejos luminosos a suportarem cada passo…
O Henrique pergunta-me muitas vezes o que é que eu faço, qual é a minha profissão.
Dou-lhe a melhor explicação que consigo.
A avaliar pelas vezes que repete a pergunta, a minha melhor explicação não tem sido suficiente para o esclarecer.
Mesmo com as lágrimas a correrem pela cara, decidi dizer-lhe:
- Vês filho, é isto que eu faço. Seguro a corda e grito «Tu és capaz, só tens que acreditar».
- Para quê mamã?
- Para que as pessoas possam atravessar o abismo e fazerem magia. A sua magia.
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